quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

A Odisséia do Cinema Brasileiro


 Eu nunca estudei cinema mais do que através da leitura de um ou outro livro sobre o tema, e assistindo algum documentário. Por isso, reconheço que não sou uma autoridade e ao escrever sobre esse assunto eu corro sérios riscos de cometer erros e gafes. Mas, entretanto, apesar do meu limitado conhecimento sobre esse assunto, eu estou realmente cansado de ouvir barbaridades da boca de conhecidos que são leigos demais para saberem o tamanho dos absurdos que estão dizendo, e também, cansado de me irritar com o preconceito que vejo declarado em centenas de páginas na internet sobre o cinema brasileiro. Por isso, resolvi produzir este artigo no qual contarei um pouco sobre a história do cinema nacional, juntando informações que acumulei ao longo de muitos anos de "Cinefilia".

Faço isso na esperança que no futuro, a ignorância das pessoas seja substituída por respeito e interesse a respeito das produções nacionais.

Naturalmente que em boa parte eu culpo as mídias de massa por esse incrível equívoco, mas também preciso admitir que mesmo que as mídias de massa fossem mais felizes em suas apresentações, ainda assim haveriam muitas pessoas que se negariam a olhar pra nossas produções com olhos respeitosos e orgulhosos. Provavelmente por puro despeito ou burrice mesmo.

Seja como for, espero que esse material simples e de pouca profundidade seja útil para iluminar um pouco sobre nossa história aos menos informados e preconceituosos de plantão.


O Alvorecer

Cinematógrafo
O meio de expressão de maior impacto do século XX sem sombra de dúvida foi cinematógrafo

Aparelho que foi inventado em 1895 pelos irmãos Lumière (originalmente com intenção de uso científico) e que permitia registar uma série de fotografias em alta velocidade, fotos essas que depois eram reproduzidas em série através de uma projeção luminosa onde as imagens eram visualizadas em uma tela, o que criava a ilusão de movimento

O primeiro cinematógrafo chegou ao Brasil pelas mãos de Paschoal Segretto, um imigrante italiano cuja vida pessoal não vem ao caso, que filmou cenas do porto do Rio de Janeiro, tornou-se nosso primeiro cineasta.

Bem, partindo bem do princípio, vamos começar nossa “viagem” no dia 08 de julho de 1896, na cidade do Rio de Janeiro, onde e quando ocorreu a primeira sessão de cinema feita em terras Tupiniquins.

Essa data chama atenção logo de cara por marcar esse importante evento, mas também por ter ocorrido apenas sete meses depois da histórica exibição dos filmes dos irmãos Lumière em Paris. Ou seja, o Brasil fazia parte do seleto grupo de países que viu naquela invenção luminosa algo realmente importante. Se pensarmos no quanto são defasadas as tecnologias que chegam às nossas mãos hoje em dia provenientes de outros países, dá pra ter uma idéia do quão significativo é esse curto espaço de tempo.

Bem, mas apesar da importância desta ocasião, houveram muitas falhas e desagradáveis imprevistos que comprometeram o sucesso do evento. Falhas essas que ocorreram por vários motivos, sejam técnicos (causados pelo abastecimento de energia elétrica Brasileiro, que na época era bastante precário) ou simplesmente causados pela inexperiência em lidar com esse tipo novo de espetáculo.

Paschoal Segreto
Bem, aproximadamente um ano depois, em 31 de julho de 1897, surge a primeira sala fixa de cinema, chamada de “Salão de Novidades Paris", cujos proprietários eram Paschoal Segreto (que posteriormente foi também quem primeiro trouxe uma câmera de filmagem de uma de suas viagens, e começou a registrar acontecimentos políticos e populares no RJ, além de muitas outras coisas, o que culminou com uma grande aceitação pública e o fez montar seu próprio laboratório), e José Roberto Cunha Sales (outro cidadão cuja vida pessoal também não vem ao caso).

O sucesso das seções de cinema foi tamanho, que começaram a ser enviados emissários para exterior, com a missão exclusiva de buscar de novas visões e idéias para enriquecer e fortalecer esse novo entretenimento que se tornou rapidamente uma febre na sociedade.

Houve uma verdadeira explosão cinematográfica”, onde se percebia um estase por parte dos produtores e dos consumidores dessa novidade.

Um frenesi que tomou conta da imprensa, e ocupava espaços em todos os meios de comunicação. Diversos casos reais que chocavam a sociedade, como crimes e tragédias de grande impacto social, geraram filmes que causavam verdadeiras superlotações a cada seção.

Em 1907 foi inaugurada a usina hidrelétrica de Ribeirão das Lages. Com isso, a distribuição de energia melhoraria consideravelmente já se encaminha a inauguração de outros 20 cinematógrafos fixos, todos com imensa ansiedade e expectativa.

Os anos compreendidos entre 1908 e 1911 ficaram conhecidos como a idade de ouro do cinema nacional.

 No Rio de Janeiro, formou-se um centro de produção de curtas, onde além dos muito populares filmes com temática policial (versões para a telona de crimes reais), foram desenvolvidos vários gêneros de filmes como melodramas tradicionais ("A cabana do Pai Tomás"), dramas históricos ("A república portuguesa"), patrióticos ("A vida do barão do Rio Branco"), religiosos ("Os milagres de Nossa Senhora da Penha"), carnavalescos ("Pela vitória dos clubes") e comédias ("Pega na chaleira" e "As aventuras de Zé Caipora"). A maior parte realizada por Antônio Leal e José Labanca, na Photo Cinematographia Brasileira.

Com isso, a criatividade começa a expandir seus horizontes e surgem cada vez mais gêneros de filmes nacionais. O que para o público era um deleite muito grande.

   Foi nessa época que surgiu a primeira comédia, intitulada  "Nhô Anastácio chegou de viagem” que além de ser a primeira obra nacional do gênero, também foi a primeira a sofrer censura (uma cena de estrangulamento que reteve o filme por alguns meses e fez dele um sucesso total quando liberado e também estimulou outros filmes baseados em crimes como o "A mala sinistra" de Ferres e "O crime da mala" de Alberto Botelho, ambos sobre um mesmo crime que chocou a população da época, quando um homem havia sido esquartejado e levado para Santos em uma mala) e que já dava uma visão bem promissora do que estava por vir (Leal exercitou quase todos os gêneros de filmes, com títulos como "Noivado de sangue", "Amor e piche", "O nono mandamento", "Aqui não! Não pode!, etc).

Rapidamente, a produtora carioca "Photo Cinematographia Brasileira" de José Labanca e Antônio Leal tornou-se a maior e mais forte da época.

 Isso tudo numa longínqua era em que o cinema era mudoapenas imagens contavam as histórias para a platéiae arriscam alguns especialistas que nessa época as emoções passadas aos telespectadores eram muito mais fiéis às intenções dos autores...


O Massacre

Os primeiros filmes com áudio do Brasil foram musicais, e só começaram a surgir em 1909, quando principalmente Labanca e Leal (mas não apenas eles) começam e explorar uma técnica de apresentação em que se escondiam atrás da tela alguns cantores e atores que falavam e cantavam de acordo com a cena. Essa sonorização rudimentar foi utilizada e muito popularizada em filmes como "O guarani", "Barcelona", entre muitos outros. Um tempo depois Leal rompeu com a grande produtora e criou uma empresa própria.

Nessa época áurea, precisamos dar algum destaque especial para o filme "Paz e amor", que causou um verdadeiro estrondo no público brasileiro, atingindo um sucesso até então desconhecido, chegando a bater todos os recordes de qualquer filme nacional ou estrangeiro da época.

Em 1911 começa a "americanização" do cinema brasileiro, com o RJ sendo invadido por uma grande quantidade de filmes estrangeiros. O que prejudicou severamente o desenvolvimento das produções nacionais.

Em decorrência disso, muitos profissionais da área cinematográfica migraram para atividades comercialmente mais viáveis, abandonando o cinema em definitivo, enquanto outros sobreviveram fazendo "cinema de cavação" (documentários sob encomenda).

Nesse cenário desértico para os cineastas brasileiros, houveram algumas manifestações pontuais e isoladas como o trabalho de Luiz de Barros ("Perdida")  no Rio de Janeiro e José Medina ("Exemplo Regenerador"), em São Paulo. Mas isso não amenizava o estrago. No Rio Grande do Sul, na cidade de Pelotas, Francisco Santos ("O crime dos banhados") chegou a conseguir uma boa repercussão local com os trabalhos de seu estúdio próprio, mas por pouco tempo.

Luiz de Barros
O destaque quase heróico com certeza pertence à Luiz de Barros, que começou sua carreira em 1914 e se prolongou até a década de 70, e produziu entre 1915 e 1920 nada menos do que 10 grandes sucessos como "A viuvinha", "Iracema" e "Ubirajara", "Coração de Gaúcho" e "Jóia Maldita", entre muitos outros.

Com o tempo, Barros se especializou em filmes baratos e populares, dos mais diversos gêneros, sobretudo da comédia musical. Foi responsável também, anos depois pelo primeiro filme nacional inteiramente sonorizado, que se chamou "Acabaram-se os otários".

A primeira grande guerra mundial, foi um dos conflitos que mais gerou filmes no Brasil. O número de trabalhos com essa referência na época (1914 – 1918) é muito grande em comparação ao anos anteriores. A partir de 1915 é produzido um grande número de fitas inspiradas na literatura brasileira, como "Inocência", "A Moreninha" e "Iracema" (o italiano Vittorio Capellaro é o cineasta que mais se dedica a essa temática, dos quais se ressaltam "Pátria e bandeira", escrito por Cláudio de Souza e que falava sobre a espionagem alemã em território nacional, e o primeiro desenho animado chamado "O Kaiser" de autoria do cartunista Seth, que satirizava o mandatário alemão e perfilava junto aos nacionalistas brasileuiros que pregavam o alistamento militar obrigatório).

Em 1923, Eugênio Kerrigan ganha prestígio com o drama regional "João da Mata", que tratava de um conflito de posse entre um pequeno agricultor e um coronel.

Então, com o surgimento do cinema 100% falado em Hollywood nos Estados Unidos, por volta de 1930, a produção de filmes no Brasil, que já enfrentava uma retração do público por conta dos recursos técnicoultrapassadas (como os letreiros sobrepostos por exemplo) novamente se complicou e a decadência avançou mais um pouco.

Nessa época de grave crise, o filme "Ganga Bruta" de Humberto Mauro acabou sendo uma das mais valiosas fontes de alimentação dos cineastas brasileiros que iniciaram suas carreiras por volta da década de 50.

Também do início da década de 30, dois filmes que foram muito importantes e representativos foram  o vanguardista "Limite" de Mário Peixoto, que produziu a obra influenciado pelo cinema europeu, e a produção que mais rendeu lucro na época, intitulada "Coisas nossas" de Wallace Downey, título do célebre samba de Noel Rosa, que foi a primeira tentativa de enveredar na direção dos filmes musicais americanos que estavam causando um verdadeiro furor.

Mas o declínio continuou cada vez mais violento: no ano de 1934, simplesmente nenhum filme foi produzido no Brasil.

A situação era tão difícil que somente alguns curta metragens (que fizeram aparecer Byington Gonzaga, Carmem Santos) tinham alguma aceitação razoável, mas foi por pouco tempo (a censura da época também contribuiu veementemente para isso).

Carmen Miranda
Nessa época, um das pessoas símbolos do nosso país, Carmen Miranda, é "importada" para os Estados Unidos, dado seu incrível talento. Mas não sem antes deixar a célebre frase que foi publicada em diversos jornais: "Um pouco de matéria prima brasileira para o cinema americano".

Aliás, essa lindíssima mulher tem tamanha importância para o país nessa época, que me absterei de tecer comentários e relatos por agora. Pois pretendo produzir um artigo exclusivo sobre ela em breve.

 cinema nacional na década de 30 sofreu um massacre tão violento por causa da influência de Hollywood que quase desapareceu. Pessoalmente eu acredito que isso tenha acontecido intencionalmente, por conta do governo americano que já via nesse mercado um grande futuro e investia de forma tão massiva que os produtores menores se viam incapacitados de concorrer.

Foram tempos muito severos em que nossa cultura sofreu perdas irreparáveis.


Juntando os pedaços

Somente a partir de 1940, pode-se finalmente dizer que a força começava a voltar, embora os 70 filmes que haviam sido produzidos somente tenham começado a aparecer em 1943.

Com o início da segunda grande guerra mundial, começam a faltar muitos materiais básicos para as produções, dentro dos quais até mesmo as fitas virgens começaram a ficar escassas.

Em meio e todo esse tortuoso caminho, São Paulo se firma como a capital econômica do país, o que coopera para que na década 40 seja considerada a capital cultural do Brasil, na qual é construído o "museu de arte moderna". Isso gerou uma animação geral, o que fez com que um número maior de pessoas se interessasse pelo cinema brasileiro. Surgindo então a primeira associação de produtores cinematográficos e o primeiro sindicato dos técnicos de cinema. Que foram organizadas com a ajuda de Getulio Vargas que se envolveu em ocasiões importantes e em diversas manifestações.

Nessa fase, as pessoas que riram do cinema brasileiro agora estavam rindo com o cinema brasileiro (surgem as primeiras chanchadas).

Em meio e essa retomada da cultura, há uma certa centralização dos assuntos nos materiais produzidos. O que provoca uma reação de descontentamento no público, já que o assunto "carnaval" já estava saturado e ninguém agüentava mais.

Apesar de tudo, é correto afirmar que o cinema brasileiro "tirou as fraldas" nesse período, no qual também surgiu o primeiro perfeito estúdio de cinema, o da Companhia Cinédia no Rio de Janeiro.

Em 1941 é criada a Atlântida, que centraliza a produção das chanchadas cariocas.

A reação paulista acontece mais tarde com o ambicioso estúdio da Vera Cruz, em São Bernardo do Campo (1949). Renegando a chanchada, contrata técnicos estrangeiros e ambiciona produções mais aprimoradas, como: "Floradas na serra", do italiano Luciano Salce, "Tico-tico no fubá", de Adolfo Celli, e "O canto do mar", de Alberto Cavalcanti, que volta da Europa para dirigir a Vera Cruz. "O cangaceiro" (1953), de Lima Barreto, faz sucesso internacional, iniciando o ciclo de filmes sobre cangaço e que ficou conhecido por ter sido vendido ao Columbia Pictures.

Mazzaropi
Amácio Mazzaropi é um dos grandes salários da companhia, vivendo o personagem caipira mais bem-sucedido do cinema nacional. A ausência de um esquema viável de distribuição foi principal causa do fracasso da Vera Cruz, além da altíssima manutenção e da falta de apoio por parte do governo (o que sem dúvida não acontecia nos Estados Unidos).

Nessa época também, surgiram os primeiros trabalhos do paulista José Mojica Marins, que ao contrário do que muitos pensam, não era um cineasta limitado ao gênero "terror". Embora seus trabalhos mais reconhecidos mundialmente sejam desse estilo.
José Mojica Marins como "Zé do Caixão"

Da mesma forma que Carmen Miranda, eu vejo nesse homem excêntrico que produzia e atuava, uma importância muito especial para a cultra nacional, e também reservo a ele um post exclusivo, por isso, no momento me limitarei a apenas citar sua participação no contexto histórico (jamais poderia deixar de citá-lo).

Os anos 50 foram bem engajados, com diversas tentativas de reforço ao novimento, mas todas fracassadas. Se destacam nessa época "Presença de Anita" de Mário Donato e "O comprador de fazendas" baseado na obra de Monteiro Lobato.

Carlos Roberto de Souza (autor do livro “A Fascinante Aventura do Cinema Brasileiro” de 1981) nos conta que em 1954 a Vera Cruz fechou as portas e a Atlântida (Fundada em 1941 por Moacir Fenelon, Alinor Azevedo e José Carlos Burle) seguiu em frente, dando-se até ao luxo de bancar projetos mais pretensiosos como "Amei um Bicheiro" (1953), de Jorge Illeli e Paulo Wanderley, thriller urbano à moda americana, decalcado no clássico de John Huston, O "Segredo das Jóias". Erich Von Stroheim e Abel Gance realizam o primeiro festival internacional de cinema.

Então, eis que surge o filme "Rio 40 graus" de Nelson P. dos Santos. Um filme popular, que "mostrava o povo ao povo". Suas idéias eram claras e sua linguagem simples dava uma visão do Distrito Federal. Sentia-se pela primeira vez no cinema brasileiro o desprezo pela retórica. O filme foi realizado com um orçamento mínimo e ambientado em cenários naturais. Obviamente, foi censurado. Mas em função de uma enorme campanha de estudantes que teve grande repercussão foi liberado.

Esse filme marcou o início no neorealismo, que teve no filme "Rio 40 graus" o seu primeiro fruto. Em São Paulo, começam a aparecer comédias baseadas nos costumes e no cotidiano, nos quais se destacam os trabalhos de Roberto de Santos que só foi realizar um novo longa depois de 1965.

Era já então nascido, o dito "cinema novo". Que tinha a liberdade como motor e buscava novos formatos.

Os jovens começam a deixar de lado o cinema de nível, e usar uma linguagem cinematográfica bem mais arrojada e liberal, como afirmava Glauber Rocha: "uma câmera na mão e uma idéia na cabeça." Temas como sertão, favelas, subúrbio, vilas, litoral e estádios de futebol começaram a ser utilizados, rompendo os padrões estabelecidos.

A essa altura, temos uma firme impressão de que o cinema brasileiro já tinha um estilo próprio, deixando de lado (a pau e corda) o estilo americano de filmagem que tinha virado quase que um código de regras.

Os ânimos continuaram sendo intensos até o chamado "movimento de 60", quando então as temáticas que eram a principal diferença entre o que era feio antes e o que vinha sendo feito naquele momento, começam a se transformar. Mas de forma alguma o cinema novo morre, muito pelo contrário.

Na década de 60 as telas foram contagiadas por um clima de envolvimento com a realidade social e cultural do país. Exemplos de obras produzidas nessa época são "O cangaceiro", "A morte comanda o cangaço" e "Lampião, o rei do cangaço" que ficaram conhecidos mundialmente.

Nos anos 70, surge o CONCINE (Conselho Nacional de Cinema) que tem função legisladora e concede aos filmes os certificados de produto brasileiro, permitindo que ocupem o espaço reservado ao cinema brasileiro nos cinemas (cerca de pelo menos um terço das exibições feitas durante o ano) e a EMBRAFILMES (Empresa Brasileira de Filmes SA), que estimula as produções fazendo financiamentos, empréstimos e distribuindo as obras no Brasil e no exterior (o mérito de muitas adaptações de romances brasileiros consagrados, e a reconstituição de acontecimentos importantes da história brasileira pertence sem dúvida à essa instituição).

Cartaz de "A Dama do Lotação" de 1976
Em uma palavra, o CONCINE e a EMBRAFILMES aumentaram generosamente o fôlego das criações e dos investimentos. A tumultuada década de 70 teve como principal atrativo em suas obras o erotismo. Imagem que na minha opinião ainda nos tempos de hoje permanece sobre as gerações mais novas no que diz respeito às produções nacionais e é a responsável por tudo que se fala de ruim a respeito do cinema brasileiro.

Pense bem, no único momento da história do país em que a produção cinematográfica realmente começa a receber apoio, é quando a tendência está apontada para produções eróticas. Tire suas próprias conclusões.

Cena do Filme "Pink Flamingos"
Só não esqueça de que os anos 70 foram marcados por produções bizarras no mundo todo. 

Quem fala dos filmes brasileiros desta época e os utiliza como exemplo para falar do quanto nossas produções eram ruins e “baixas”, com certeza nunca assistiu à filmes estrangeiros que eram contemporâneos a eles, como por exemplo “Pink Flamingos” dos EUA, “Saló” da Itália ou “Mais Ne Nous Deliverez Pas du Mal” da França, que fazem (mesmo hoje em dia) as produções do setor de pornografia parecerem verdadeiramente aulas de catecismo.

O cinema dos anos 70 estava tendenciado à retratar sexo, libertinagem, baixaria, submundo, drogas... e uma série de outras coisas  desse tipo. E isso era uma tendência mundial (os motivos para isso também poderiam servir para um outro tópico, se esse fosse um blog que fala sobre política).

 Mas nem tudo são fezes nessa época. Tivemos produções clássicas como "O cortiço" e "Iracema" que ressurgiram, e não posso deixar de citar o importante fator do fortalecimento dos "cineclubes" (organizações sem fins lucrativos que existiam desde os anos 20 e estimulavam os seus membros a ver, discutir e refletir sobre o cinema.) que foi um importante componente no mundo cinematográfico, sobretudo com o envolvimento do estado no mercado.

O poderio era tanto, que através do CONCINE, se conquistou a lei de que todo filme estrangeiro deveria antes de sua exibição, passar curta metragens brasileiros. Enfim, estava novamente encaminhada a vida do cinema brasileiro.

Não é errado dizer que o cinema no Brasil ainda conserva algum estilo próprio, apesar das muitas influências que sofreu e sofre. E uma olhada por sua trajetória histórica nos faz ter uma idéia bem ilustrada de como isso caminhou até o presente momento.

Vivemos nos últimos anos uma boa fase para as produções nacionais, embora nunca mais tenhamos conseguido chegar perto do que poderíamos ter alcançado se no passado algumas políticas fossem diferentes. 

Eu admito que a grande maioria das obras que citei nesse artigo, eu nunca consegui assistir. E isso é muito grave. As produções que tive acesso, foram literalmente "garimpadas" em diversas fontes e arquivos. O que me faz pensar que se eu, que nutro uma sincera paixão pelo cinema (paixão essa que por pouco não beira a obceção) tenho sérias dificuldades em conseguir assistir às obras mais antigas do meu país, o que esperar das pessoas que não compartilham deste sentimento comigo?

Eu pelo menos sei os nomes do que quero assistir... já a quase totalidade do nosso povo sequer sabe que esse material existe.

A nossa responsabilidade como cidadãos de manter o patrimônio de sua cultura causa um certo desconforto, pois nos deixa com a sensação de impotência e de que no futuro poucas são as chances de se descobrir mais sobre o nosso passado. Mas de forma alguma podemos ser negligentes.

Da próxima vez que você for falar mal do cinema nacional, pense bem se você tem realmente embasamento para criticar da forma como critica.

Para encerrar, eu gostaria de transcrever duas citações que acredito ilustrarem bem o espírito desta postagem:

" Não existe poder cultural sem poder econômico e político e a conquista de tais poderes é única e complexa" – Glauber Rocha

"Conhecemos pouquíssimo a história do cinema brasileiro. Conhecemos menos ainda os filmes. O descuido que manifestamos em relação a nosso passado – não apenas em termos de cinema -  também é reflexo de nosso subdesenvolvimento cultural e já nos suprime quase toda a possibilidade de estudarmos os filmes brasileiros antigos. Os poucos que restam talvez venham a desaparecer , como talvez venha desaparecer toda a produção atual e futura, se não tomarmos aos cuidados que exigem a preservação da película cinematográfica. As providencias que estão sendo tomadas para a restauração e a conservação dos filmes são lentas, inversamente, a decomposição destes filmes é rapidísima." 
 - Carlos Roberto de Souza


Referências:

SOUZA, Carlos Roberto de. A fascinante aventura do cinema brasileiro. São Paulo: Cinemateca Brasileira, 1981.
AVELAR, José Carlos Avelar. O cinema dilacerado. Rio de Janeiro: Alhambra, 1986.
BARROS, Luiz de. Minhas memórias de cineasta. Rio de Janeiro: Artenova/Embrafilme, 1978.
RAMOS, Fernão (org.). História do cinema brasileiro. Art Editora, São Paulo, 1987.


Internet:
http://www.atlantidacinematografica.com.br/ (acessado em 18/04/2011); 
http://www.cinemateca.com.br/ (acessado em 18/04/2011);

Nenhum comentário:

Postar um comentário